sábado, 14 de março de 2009

Você quer casar comigo?

Quando e se este meu escrito vier a ser publicado, já estará, provavelmente, decidido, se podem casar-se os gays e as lésbicas. É de prever que possam. ‘Ide-vos, acabou a missa. “Graças a Deus”.

A galáxia terá reganhado o equilíbrio. O Vaticano terá espumado pela boca. Os nubentes estarão, finalmente, a postos de se esgatanhar uns aos outros e umas às outras, e de atirar os pertences do(a) cônjuge pela janela fora com toda a legitimidade que lhes dá o matrimónio.

Os cornos esgalhar-se-ão em monumento, ou não terá valido a pena tanto falatório. Os ‘muy machos’ terão enriquecido o seu património de anedotas porcas, com aquele bom gosto e aquela elegância que conferem aos seus temas preferidos de fazer rir (os cegos, os aleijados, as religiosas, os doidos e os doentes terminais ): ‘tu já ouviste aquela, ‘pá, do paneleiro e da fúfia que, depois de se terem casado, …’

As ‘muy boazonas’ farão novenas para que se decidam os respectivos esposos a contrair matrimónio uns com os outros, de forma a poderem ter elas, finalmente, o papo-seco fofo do mecânico da esquina escanchado em cima das suas pessoas, delas.

Quem nunca teve pretendente, nem macho nem fêmea, redobrará a frequência dos duches de água fria.

Os que nunca experimentaram fazer a coisa de jeito diverso e em orifício diferente hão-de pensar, na sua grande maioria, que se tanto alarde se fez de matéria até aí tabu e votada ao fogo dos infernos e aos saguões de prédios sem elevador, são muito capazes de se perguntarem se o sabor não terá, afinal, o seu quê de agradável com baunilha.

E os jornalistas terão de achar outro osso que roer, sem que fique de sobra uma nica de tutano.

Por mim, confesso, envergonhado, que também participei na lide com um escrito muito mal amanhado há cerca de dois ou três meses. Tão mau e tão a despropósito, na verdade, que, só de relê-lo, se me criaram pólipos nervosos em lugares incertos do interior da minha pessoa. E jurei a mim próprio que nunca mais tocava no assunto. Já bem bastavam as duas meninas de cabeças engrinaldadas que apareciam, vezes repetidas, na televisão, a olhar uma para a outra com olho de besugo, seguidas, como se não bastassem elas, por um par de jovens cavalheiros de braço dado e de braço por cima e de braço por baixo, com ar infeliz de imbecilidade congénita.

Mas. Na minha vida há sempre um filho da mãe de um mas.

Na segunda feira fatídica de 16 de Fevereiro, num programa televisivo habitualmente da minha estima, eis que se me depara a falar de gays não casados e lésbicas por casar, a jornalista Fátima Campos Ferreira, a única, na sua profissão, à excepção de Carlos Fino e Judite de Sousa, que me merecia a consideração e o respeito que reservo aos oráculos da Comunicação Social. E, durante vinte+ cinquenta + cinquenta + vinte minutos, que é mais do que tempo suficiente para se ouvir gente desaguisada a falar de que sexo são os anjos, dei por mim submetido a intervenções, vazias que nem arrotos, sobre se deve ou não haver gay em riba de gay e lésbica em riba de lésbica, com o em-riba-de sancionado por um papel, o qual, depois de feitas bem as contas, tem menos importância do que o boletim de vacinas da minha cadela.

Respeito os gays. Respeito as lésbicas. Da mesmíssima forma que respeito os que se dizem hetero. Em boa verdade, desconfio mais destes do que dos que têm outras preferências sexuais, e justamente porque, por sistema, badalam de mais. Respeito, por igual forma, macho e fêmea que acasalem da forma que quiserem, com ou sem flor de laranjeira. E respeito que, assumindo as suas tendências perante o sacana do mundo que os ostracizou e achincalhou, decidam partilhar a vida em comum macho + macho ou fêmea + fêmea. Não há que condenar, em caso nenhum, seja que tipo de amor. E, como o amor de duas pessoas que acasalem, não existe sem apetite carnal e desejo sexual, é, tenho para mim, absolutamente legítimo que cada um se cosa com as linhas que tem, dedal e tesoura incluídos.

Aquilo que não respeito, de forma rigorosamente nenhuma, é que embandeirem em arco. Aquilo que abomino é que trepem a uma cadeira, no meio da praça pública, e contem à maralha coisas que não são de contar a ninguém. Aquilo que desperta, em mim, instintos do neolítico, é ouvir os machões gabar-se das ‘gajas que eu já comi, porra!’ e do ‘o Diabo me leve se eu ainda não for ao cu daquela sujeita!’ Aquilo que me faz ter sérias suspeitas sobre a masculinidade de cada um é o apregoar que se é, mesmo isso, coisa, por sinal, que ninguém ainda tinha posto em causa. E é a publicidade desnecessária de um assunto que se não devia querer ridiculamente publicitado aquilo que rejeito nas meninas engrinaldadas e nos meninos mão-aqui-mão-acolá, cuja união de facto se discute em conversas intermináveis, como aquela a que um espírito maligno obrigou uma jornalista do quilate de Fátima Campos Ferreira a sujeitar uma multidão desprevenida dos seus admiradores.

Casem, filhos E vocemecês também, filhas. Uns com os outros. Umas com as outras. Uns com outras. E outras com uns. À vossa vontade. De fraque ou de véu, se assim acharem bem. Assinem o papelinho, já que encornaram para aí. Guardem-no bem, por debaixo da travesseira, nas alturas em que. Mas não abram as janelas para se ouvir os gemidos, que já bem bastam os gatos. E recatem-se. Guardem para vós próprios aquilo que sentem uns pelos outros. Mas não façam, pela sua saúde, alardes desnecessários, e não queiram transformar o quarto de cama em vitrina de loja. Há coisas que são só nossas, criaturas. Coisas íntimas, necessariamente secretas, obrigatoriamente partilhadas, e, muitíssimo em especial, sem testemunhas. A menos que queiram que a gente acredite que aquilo que vocês são, além de já serem o que quer que seja, é uma cambada de fiteiros. E assim, crianças, até ao Papa eu dou razão. E pronto.
Haja Deus

Você quer casar comigo?

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