segunda-feira, 9 de março de 2009

Presidente da Opus Gay em São Miguel

O presidente da Opus Gay, António Serzedelo, esteve em São Miguel. Aproveitando a visita, o AO online decidiu discutir as temáticas que estão na ordem do dia.

Quando foi formada a associação Opus Gay e quais são os seus objectivos?

Nasceu em 1997, num contexto em que Portugal se colava muito a questão da luta contra a Sida à questão dos homossexuais, e nós achamos nessa altura que era urgente aparecer sobretudo como uma organização de defesa de Direitos Humanos, das minorias sexuais, étnicas e posteriormente, mais recentemente, acrescentámos aos estatutos a defesa da igualdade de género e a luta contra a violência doméstica.




O nome da associação é traduzido literalmente por Obra Gay. Há aí uma certa provocação deliberada à Opus Dei?


Sem dúvida que a Opus Dei é uma instituição profundamente homofóbica, e era necessário de certa forma contra carrear essa homofobia, criando uma organização com um nome parecido que é absolutamente a favor da liberdade e dos direitos homossexuais.




A sua organização defende a aprovação parlamentar ou por referendo da questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo?


Achamos que deve ser aprovado pela Assembleia, não devemos cair numa república referendária. Se os deputados foram eleitos, estão mandatados para legislarem nesse sentido. No entanto, aceitamos que esta questão seja sufragada, como forma de legitimá-la e evitar que depois com uma viragem de governo, essa questão venha a ser retirada.




Como vê esta medida do Partido Socialista, que há algum tempo considerava esta uma questão secundária e que agora a define como uma questão fracturante?


Bom, eu vejo isto como uma boa ideia eleitoral e uma boa ideia eleitoralista. Eu creio que o PS quando reprovou em 10 de Outubro, fê-lo porque já tinha a intenção de fazer avançar esta questão como medida sua, ou seja, há aqui uma tentativa da parte do Bloco e do PS de se “roubarem” um ao outro uma fatia do eleitorado que é significativa, que não corresponde só ao eleitorado gay, é também todos aqueles que simpatizam com este conjunto de ideias. Esta luta, para ser vencida tem, de facto, de vir para o centro. É preciso que o bloco sociológico central vote isto.




Gostava de confrontá-lo com as posições do Cardeal D. José Saraiva Martins, que, em declarações ao jornal Público, diz que “a homossexualidade não é natural, uma vez que a Bíblia diz que quando Deus criou o ser humano, criou o Homem e a Mulher.” Como reage a estas declarações?


O Sr. Cardeal está um bocado desfasado da realidade, talvez por viver há 50 anos fechado no Vaticano. A realidade hoje não tem a ver com este dislates que ele aliás comete no Casino. É uma figura de um sistema, que tem que defender o que o chefe manda, e nem raciocina sobre o que está a dizer.





No mesmo artigo ele refere que “os homossexuais não podem providenciar a formação das crianças porque uma criança precisa sempre de um pai e de uma mãe, e não de dois pais ou duas mães”...


Eu pergunto-lhe, por exemplo, como é que as crianças podem ir para os colégios religiosos onde só há padres, e com saias? Então neste caso todas estas crianças seriam mal educadas e teriam perturbações. Isto é um grave preconceito e mentira que ele está a tentar... em primeiro lugar é preconceito dele, e uma mentira que ele está a tentar difundir, porque toda a gente sabe que, mesmo aqui nos Açores, quantas crianças são educadas por duas madrinhas, ou tias, ou tios, só por avós, etc. e isso não altera a psicologia das crianças, até porque actualmente os modelos de referência de género já não são tanto o pai e a mãe, muitas vezes rejeitam até esse modelo, mas são os modelos sociais do marketing, como os cantores de rock, os jogadores de futebol, as actrizes famosas...




O cardeal afirma também que “neste sector concreto é absolutamente necessária uma colaboração sincera e eficaz entre o Estado e a Igreja”. Como entende este apelo à colaboração entre o laico e o religioso?


Eu acho que nestas questões, já que ele falou na bíblia, há também que olhar para uma bíblia mais recente, porque se ele for à Bíblia, também pode ler que o Sol é que roda em torno da Terra... A verdade é que é preciso “Dar a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Foi o próprio Cristo que o disse quando confrontado com essa questão. A Igreja é uma parte de um todo. Em Portugal não somos todos católicos. Há muçulmanos, evangelistas, ateus, agnósticos... O Estado representa o todo, a igreja não. Não pode tentar colonizar o Estado Civil.




Num artigo do Diário de Notícias, a jurista Maria José Nogueira Pinto diz que “a lei de união de facto não serviu para nada como se vê porque para os que então a queriam o casamento surge agora como a única resposta aceitável” Como reage a este argumento?


Nessa altura ela também foi contra as leis da união de facto. Agora já está a favor da lei. É evidente que há progressos sociais e de direitos humanos. A Dr. Maria José tem graves preconceitos e sempre quis dar um passo atrás. Hoje em dia as uniões de facto já respondem pouco às necessidades do casal, tanto hetero como homossexual. 28% da população portuguesa vive em união de facto e tem pouquíssimos direitos.




A questão da adopção de menores por casais do mesmo sexo ficou de fora desta moção do PS...


Ficou, e ficou muito bem, porque uma coisa é o casamento civil entre duas pessoas do mesmo sexo, que é um acto tomado em liberdade por duas pessoas, e outra coisa é a adopção, que envolve uma terceira, que não tem poder de decisão. A criança tem direito a um lar, é verdade, mas a adopção não é um direito de quem quer adoptar, é um direito das crianças, e portanto, é bom separar as coisas e estudar correctamente. Com isto não estou a dizer que sou contra a adopção. Estou a dizer cada coisa no seu tempo. Aliás, os homossexuais já podem adoptar em Portugal. Podem fazê-lo individualmente, e depois de adoptar, pode ter os companheiros que desejarem. Trata-se de um preconceito, mas em todo o caso isto merece uma ponderação, uma discussão pública para que as coisas sejam assentes na sociedade e fiquem firmemente vistas e confirmadas. Claro que haverão sempre os renitentes, mas ainda hoje há Salazaristas...



Presidente da Opus Gay em São Miguel

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